
OS SURDOS
E O FRACASSO ESCOLAR¹
Por
Anahi Guedes de Mello
(Parte
2)
O
MECANISMO. SURDEZ --->
Falta de estímulos auditivos ---> Não domina uma língua oral ---> Não desenvolve
a linguagem ---> Sérios atrasos na linguagem e comunicação ---> Não desenvolve
o pensamento ---> Graves problemas lingüístico-cognitivos ---> Não atinge
plenamente os estágios do desenvolvimento humano em cada faixa etária definida
pela Teoria de Piaget ---> Dificuldades na leitura e na escrita ---> Isolamento
social na comunidade ouvinte ---> Mais as interações negativas de contexto
sócio-histórico que se processam na escola e o estigma/estereótipo da surdez
---> Atraso escolar ---> Dificuldades de aprendizagem ---> FRACASSO ESCOLAR!
O
PROBLEMA.
Cerca
de 80% a 90% dos surdos do país não concluem/concluíram o 1º grau.
Diante
deste fato, é preciso, inicialmente, reconhecer que a grande dificuldade
enfrentada pelos alunos e professores de alunos surdos é o "estigma" quase
que singular da comunicação: falar oralmente ou usar LIBRAS - Língua Brasileira
de Sinais?
Se
fosse possível estender esta reflexão certamente se evidenciaria, nesta
situação, muitos outros fatores inerentes a este processo, sendo necessárias
outras discussões sobre as subjacentes temáticas relativas à ótica dos preconceitos,
e é isso o que veremos a seguir.
OS
DADOS COLETADOS
(Marchesi
et all, 1993).
#
Estudos sobre o rendimento escolar dos surdos mostraram que a tendência
geral de todos eles indica que suas aprendizagens progridem com maior lentidão
em relação aos alunos ouvintes, ampliando-se as diferenças quando as idades
comparadas são superiores;
#
Dados coletados nos EUA indicaram que os alunos surdos necessitam de algo
mais que duas séries escolares para terem um progresso na leitura alcançado
pelos ouvintes em uma única série, sendo que o ritmo de progresso encontra-se
relacionado ao nível de perda auditiva;
#
Os resultados obtidos em aritmética indicaram que o rendimento dos surdos
encontra-se mais próximo ao dos ouvintes (operações concretas). Aos 18-19
anos, o nível médio geral dos alunos surdos, medidos através de testes de
rendimento escolar, situa-se no atingido pelos alunos ouvintes aos 11-12
anos;
#
Apenas 5% dos alunos com surdez profunda atingiram níveis semelhantes aos
dos ouvintes, quer pela linguagem oral ou quer pela linguagem de sinais.
AS
PROVAS PIAGETIANAS.
Entre
os estudiosos da surdez havia interpretações de que o atraso de desenvolvimento
no surdo poderia ser decorrente da pobreza de experiências de trocas comunicativas
por conta da limitação da linguagem, mas não porque esta fosse essencial
enquanto meio organizador do pensamento.
Tratava-se
de uma linha de estudos baseada no pressuposto de que a linguagem tem posição
subordinada em relação ao pensamento, de que este se constrói, em grande
medida, independentemente daquela.
Pesquisas
implementadas em torno da questão usavam, com freqüência, provas piagetianas
como recurso principal da situação de estudo.
O propósito
era verificar se crianças e adolescentes surdos que não dominavam a linguagem
oral mostrariam, apesar disso, avanços no estágio de desenvolvimento.
Pesquisas
de Furth (1971) e Furth e Youniss (1976) apresentaram indicações de que,
nos casos de surdez, a criança atinge o estágio operatório concreto, e o
adolescente chega a dominar pelo menos algumas esferas do pensamento operatório
formal.
Os autores
consideraram esses achados como evidência de que o pensamento pode progredir,
sem o concurso da linguagem, plenamente até o operatório concreto e parcialmente
até o operatório formal.
Mas os
estudos sobre as possibilidades de alcance dos estágios cognitivos não chegaram,
contudo, a ser convergentes ou conclusivos sobre o papel da linguagem.
Mesmo
pesquisas não-dirigidas a essa polêmica dão indicações da dificuldade para
se deslocar o lugar da linguagem no exame do funcionamento cognitivo.
Por exemplo,
focalizando adolescentes surdos, com idade entre 11 e 18 anos, Zamorano
(1981) observou que, em tarefas de seriação e classificação, seu desempenho
enquadrava-se no nível operatório, porém era acompanhado de verbalização
pertinente ao nível pré-operatório. Já em provas de conservação, os sujeitos
permaneceram nos níveis intermediários.
Esse último
resultado foi atribuído aos reduzidos recursos de linguagem do sujeito para
afirmar a conservação, o que ficava evidenciado pela circunscrição das respostas
verbais a dimensões perceptíveis da situação.
Assim,
as discussões teóricas sobre cognição e linguagem começaram a se alterar
a partir da década de 80, "abandonando" o modelo piagetiano para se apoiar
com base em outros aportes, como a Teoria da Linguagem e Pensamento de L.
S. Vygotsky.
A TEORIA
DA LINGUAGEM E PENSAMENTO DE VYGOTSKY.
Rejeita
tanto as análises paralelas dos cursos dos processos de pensamento e linguagem,
como as concepções de identidade dos dois processos, ou de subordinação
um pelo outro.
Ao contrário,
trata-se, segundo ele, de dois processos que se intercruzam a partir de
certo momento do desenvolvimento e se relacionam de forma dinâmica É afirmada,
assim, uma relação de constituição recíproca.
A fala
da criança se desenvolve no plano das interações sociais e, ao ser internalizada,
participa da organização das ações sobre os objetos, da construção do plano
de funcionamento interno e das transformações dos processos mentais.
Contrário
à idéia de processos paralelos, apresenta o argumento de que fala e inteligência
têm raízes distintas, seguem cursos distintos até certo momento do desenvolvimento,
mas depois passam a se inter-relacionar de modo dinâmico e complexo.
Não se
trata da inteligência prática de uma criança que, por acaso, fala; trata-se
de uma inteligência prática que assim se estrutura PORQUE a criança fala.
Desse
papel fundamental, a linguagem participa da constituição do pensamento e
repercute sobre as funções mentais, propiciando transformações na atenção,
na memória, no raciocínio.
A ênfase
na instância de significação de experiências expande as idéias anteriores
- de que a linguagem participa das relações interpessoais; de que, na infância,
a fala passa a ser auto-reguladora, organizadora das ações da criança sobre
o objeto; e de que as formas de mediação instrumental do signo caracterizam
"pontos de viragem" no desenvolvimento.
O
QUE PENSAVA OBJETIVAMENTE VYGOTSKY SOBRE A EDUCAÇÃO DOS SURDOS?
Reconhece
ser a surdez, por excelência, um defeito social. É mais direta que a cegueira
e altera as relações sociais da personalidade.
Assim,
o primeiro problema da surdopedagogia é devolver ao surdo a fala.
Para ele,
a rigorosidade excepcional e sem precedentes é um acompanhamento inevitável
do método oral, pois, como reconhecem seus defensores, de todos os métodos
de ensino, o método oral é o que mais contradiz à natureza do surdo, mas
nenhum dos métodos está em condições em devolver o surdo à sociedade humana,
como pode fazê-lo pelo método oral.
Todavia,
criticou com veemência os métodos de ensino da língua oral, opinando que
o ensino da linguagem ao surdo está construído em contradição com sua natureza,
mas também duvidou que a língua de sinais fosse uma verdadeira linguagem
a serviço da formação social dos surdos e como um instrumento para a mediação
dos processos psicológicos superiores.
Observa-se
um paradoxo: se não é adequado ensinar aos surdos a falar, pois desses métodos
só se obtém a articulação da fala mas não a linguagem, e se a língua de
sinais não é uma linguagem plena, em que termos e com quais meios comunicativos
e lingüísticos propor uma educação, uma pedagogia válida para as crianças
surdas?
Na verdade,
ele modificou sua perspectiva sobre os surdos e a língua de sinais num trabalho
posterior.
Outra
característica crucial da Pedagogia de Vygotsky: o conceito de heterogeneidade
dos processos humanos, onde defende o direito que o surdo tem, como qualquer
ser humano, em conviver com o outro num contexto heterogêneo do social,
através da convivência harmoniosa das interações sociais, criticando a diretriz
educacional de se avaliar crianças surdas para classificá-las e educá-las
em grupos uniformes, em contextos homogêneos de instrução.
Para ele,
o argumento para não segregar estava na concepção de heterogeneidade como
instância favorável de desenvolvimento, pois as relações interpessoais que
envolvem níveis diferentes de funcionamento permitem à criança surda transformar
suas capacidades.
Noutras
palavras, para Vygostsky, toda etapa crítica do desenvolvimento humano,
começando pela linguagem e pensamento, tem que, necessariamente, passar
pelo processo das relações sociais humanas.
A
SOLUÇÃO.
Soluções
pedagógicas diferenciadas para cada grupo de surdos.
Vários
pesquisadores reconhecem que se deve permitir ao surdo, se assim ele o reivindica,
o direito de acesso à sua língua natural, que é a língua de sinais.
A língua
de sinais assume outro contexto de estruturação gramatical altamente complexa
que permite ao surdo um "tipo" diferente de pensamento, baseado nas possibilidades
inteiramente visuais (concepção espaço-temporal e esquema corporal).
Embora
haja sérias divergências quanto ao melhor método para a aquisição da linguagem
ao surdo, a maioria dos educadores e surdos concordam no modelo do BILINGÜISMO
(?) como o melhor método de acesso à linguagem e educação do surdo.
CONCLUSÃO.
#
A surdez, como déficit biológico, NÃO priva os surdos da faculdade da linguagem,
MAS total ou parcialmente, de língua oral;
# A surdez
pode criar, e de fato cria, situações atípicas no processo de aquisição
e desenvolvimento da linguagem;
# A criança
surda não é deficiente na esfera lingüístico-comunicativa ou na construção
da identidade social, mas é ASSIM TORNADA pelas condições sociais em que
se constitui como pessoa;
# O modelo
teórico de Vygotsky, embora requerendo expansões e reformulações, contribui,
ainda hoje, para esforços de investigação derivados do pressuposto da constituição
social do sujeito. Nessa perspectiva teórica, o desenvolvimento da criança
surda deve ser compreendido como processo social, e suas experiências de
linguagem concebidas como instâncias de significação e de mediação nas suas
relações com a cultura, nas interações com o outro.
________________
¹Seminário
ministrado na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis/SC,
referente à disciplina Psicologia da Educação - PSI 5107, maio de 2001.
Por se tratar de um seminário, apenas foi feito um resumo geral para transparências
dos principais pontos encontrados em pesquisas da área surdez e, por isso
mesmo, as referências bibliográficas não constam. Outrossim, o trabalho
completo e mais detalhado, com inclusão de análise de dados, que deveria
continuar seguindo esta temática, mostrando enfim as referências bibliográficas,
foi alterado para incluir outra temática sobre os surdos, mas cuja esfera
acadêmica focalize os princípios das relações sociais partindo de uma teoria
vygotskyana.
FUENTE:
sitiodesordos.com.ar
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